O Perigo da Duplicidade das Receitas nas Instituições Religiosas

É muito comum nos dias de hoje várias igrejas, principalmente as evangélicas, se reunirem em torno de uma Sede Regional ou uma Matriz.

Essa associação se dá em vista de se obter uma administração mais centralizada ou pode ainda decorrer de um processo de crescimento da chamada igreja sede, descentralizando o “trabalho espiritual” e centralizando o trabalho administrativo.

Não raramente ocorre o fato de que as filiadas ou congregações devem enviar a Sede Regional uma quantia em dinheiro, evidentemente esse valor ou percentual vai se referir a cláusulas estabelecidas nos estatutos que as igrejas têm em comum, sede e filiadas.

O valor é conhecido como dízimos dos dízimos, cota orçamentária, participação missionária entre outros nomes, entretanto a finalidade é a mesma, repassar um valor ou um montante financeiro à sede ou matriz que vai aplicá-lo de acordo com as suas finalidades estatutárias, aplicar em missões, auxílio a igrejas em crescimento, construção e manutenção de faculdades teológicas, escolas bíblicas, etc.

Vencida essa parte da definição conceitual do repasse financeiro das filiadas as Sedes vamos adentrar a um assunto que pouca gente domina com a segurança necessária, entretanto, se envolver quantias vultuosas em dinheiro pode estar mascarando um problema de duplicidade de receitas que pode vir a estourar a qualquer momento.

Vamos a um exemplo:

  1. Igreja A (Sede)
  2. Igreja B (Congregação)
  3. Igreja C (Congregação)

Hipoteticamente falando, as duas congregações são filiadas da Igreja Sede, tem o mesmo CNPJ básico e tem um estatuto em comum, que estabelece que as congregações devam enviar uma parte de suas receitas, compreendendo dízimos e ofertas, à igreja Sede, e ainda no campo da suposição, o percentual enviado deva ser de 15%, analisemos o quadro abaixo:

Demonstração das Receitas

Igreja B Igreja C
Dízimos 80.000,00 Dízimos 150.000,00
Ofertas 20.000,00 Ofertas 50.000,00
Totais 100.000,00 Totais 200.000,00

As duas igrejas, após fecharem o balancete de determinado mês e apurarem as suas respectivas receitas, deverão compor e registrar em sua contabilidade o valor a repassar para a Sede Regional, ou seja, conforme seus estatutos 15% da receita composta de dízimos e ofertas, vejam no quadro abaixo a demonstração desta situação:

Igreja B Igreja C
Repasse para Sede
Contribuição para Sede 15.000,00 Contribuição para Sede 30.000,00
Total do Repasse 15.000,00 Total do Repasse 30.000,00

As duas congregações registraram “uma despesa” de R$ 45.000,00 no mês que estamos fechando, essa quantia, por força das disposições estatutárias, deve ir para o caixa da Igreja Sede.

Vamos elaborar um quadro com as receitas da Igreja Sede, somando as suas receitas próprias e as transferidas das suas congregações ou filiadas, vejam abaixo o quadro:

Igreja A (Sede)
Receitas
Receitas de Dízimos

200.000,00

Repasse das Congregações

45.000,00

Total das Receitas

245.000,00

Muito bem, de posse dessas informações, convém elucidar algumas questões quanto ao aspecto contábil e financeiro das entidades isentas e imunes, onde se enquadram as igrejas:

1 – Elas estão obrigadas a apresentação da DIPJ da Receita Federal, anualmente;

2 – Nunca é demais lembrar que caixa dois é crime contra a ordem tributária e pode acarretar aos responsáveis um processo crime e penas de reclusão e multa;

3 – Nas igrejas, em vista do seu mister religioso onde se prega o uso irrestrito da verdade e a dedicação a uma vida de princípios exemplares, não deve existir contabilidade paralela, muito menos controles diferentes, então o que de fato acontecer em termos financeiros deve ser registrado na íntegra.

Omitir um registro de receita ou um registro de pagamento gera um saldo de “caixa dois” e isso ocorre invariavelmente com o intuito de se sonegar tributos e contribuições sociais, desta feita é bom lembrar o ensinamento bíblico:

Marcos 12: 17 “E Jesus, respondendo, disse-lhes: Daí pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. E maravilharam-se dele.”

Analisando o Manual da DIPJ 2013, no tópico que fala sobre as empresas e instituições obrigadas a entregar essa declaração, o item 2.1,exara que:

Todas as pessoas jurídicas, inclusive as equiparadas, as entidades submetidas aos regimes de liquidação extrajudicial e falimentar, pelo período em que perdurarem os procedimentos para a realização de seu ativo e liquidação do passivo, e as entidades imunes e isentas do imposto de renda, devem apresentar, anualmente, a DIPJ de forma centralizada pela matriz.

Isto posto e voltando ao nosso exemplo, se conforme a orientação da DIPJ as instituições devem apresentar sua declaração de forma centralizada pela matriz, o nosso controle financeiro e contábil deve se pautar no sentido de atender essa premissa, ou seja apresentar receitas e despesas CONSOLIDADAS pela sua Sede, assim procedendo, nosso exemplo teria o seguinte resultado para as receitas, vejam o quadro abaixo:

Igrejas

Receitas

Igreja A (Sede)

245.000,00

Igreja B(Congregação)

100.000,00

Igreja C (Congregação)

200.000,00

Total das Receitas da Igreja (Consolidada)

545.000,00

Á grosso modo até parece que essa conta está correta, entretanto, se aprofundarmos o estudo dentro de uma técnica contábil mais apurada podemos notar que existe uma duplicidade em parte das receitas, especificamente aquela repassada das filiadas a igreja sede.

Na realidade os R$ 45.000,00 repassados das filiadas para a sede já é contabilizado como receitas de dízimos ou ofertas quando do seu ingresso nas próprias filiadas, se considerarmos essa transferência como uma despesa das filiadas e uma receita da sede, cometemos um erro contábil e o valor estará duplicado como receita dentro da organização (congregações e sede).

Vamos montar os lançamentos contábeis para demonstrar essa situação:

Nas igrejas filiadas, a contabilização das receitas seria:

(Já Consolidado)

D – Caixa Movimento ou BancosC – Receitas de DízimosValor R$ 230.000,00 D – Caixa Movimento ou BancosC – Receitas de OfertasValor R$ 70.000,00

Nas igrejas filiadas, a contabilização da despesa da transferência seria:

D – Transferências para a Sede

C – Caixa Movimento ou Bancos

Valor R$ 45.000,00

Na igreja Sede, a contabilização das receitas seria:

D – Caixa Movimento ou BancosC – Receitas de DízimosValor R$ 200.000,00 D – Caixa Movimento ou BancosC – Repasse das CongregaçõesValor R$ 45.000,00

Esses lançamentos gerariam o seguinte balancete de verificação consolidado, note-se que balancete de verificação é um documento da contabilidade, que analisa conta a conta separando em um grupo as contas ativas e as de despesas que aqui chamamos de contas ativas e no outro grupo as contas passivas com as de receitas que chamamos de contas passivas:

Contas Ativas

Contas Contábeis Saldo Inicial Débito Crédito Saldo Final
Caixa

0,00

545.000,00

45.000,00

500.000,00

Transferências para a Sede

45.000,00

0,00

45.000,00

Total

0,00

590.000,00

45.000,00

545.000,00

Contas Passivas

Contas Contábeis Saldo Inicial Débito Crédito Saldo Final
Dízimos

0,00

0,00

430.000,00

430.000,00

Ofertas

0,00

0,00

70.000,00

70.000,00

Repasse das Congregações

0,00

0,00

45.000,00

45.000,00

Total

0,00

0,00

545.000,00

545.000,00

Em vista dos princípios contábeis básicos e da gestão financeira pode parecer que tudo está corretamente lançado e o resultado apresentado seria o correto, entretanto, temos que analisar sobre uma ótica mais técnica e considerar as reais receitas da organização, que neste momento, como os demonstrativos devem ser consolidados, se refere a todos os entes envolvidos, ou seja, sede e filiadas. Finalmente, concluímos, está errada esta abordagem.

Falando um pouco sobre a moderna contabilidade

Não é novidade quando dizemos que vivemos uma nova era, a era da informação e da globalização, em todos os setores, e a contabilidade não ficou de fora, hoje está inserida em um mundo repleto de novas tecnologias, globalizado e em constante atualização.

Neste novo cenário, é oportuno trazermos a baila uma análise das tendências da área contábil, a contabilidade é a ciência responsável em fornecer dados imprescindíveis para que empresas e entidades avaliem o próprio crescimento, seu desempenho e a situação financeira e patrimonial.

Esse novo contexto que vivemos em vista da globalização, as mudanças na legislação pátria, apontam os novos caminhos da nossa contabilidade, a tendência mundial de padronização as normas contábeis internacionais, isso é essencial para facilitar a comunicação e a relação comercial entre as companhias em qualquer localidade do mundo, bem como padronizar critérios de análises de demonstrativos diversos extraídos da contabilidade.

Hoje ela não é mais encarada como uma simples forma de controle burocrático da empresa tornando-se um importante aliado da entidade, fornecendo importantes informações para a tomada de decisões.

A globalização está trazendo a contabilidade o desafio de se adequar e proporcionar a melhor forma de prestar informações úteis, rápidas e eficientes aos usuários.

Pois bem, diante desta pequena análise das funções da ciência contábil passaremos a analisar o nosso exemplo da forma correta e para assim procedermos vamos criar uma conta redutora da receita.

Então ao invés de lançarmos o repasse como uma despesa das igrejas filiadas, vamos lançá-los em uma conta redutora da receita, ou seja vamos reduzir as receitas nas igrejas filiadas e vamos conservar a mesma receita na igreja Sede, desta forma a primeira coisa que devemos fazer é criar uma conta dentro do grupo de receitas.

É importante frisar que as contas de receitas tem natureza credora, ou seja, só recebem lançamentos a crédito, entretanto essa conta que vamos criar, embora dentro do grupo de receitas,  deve ficar no final deste grupo e só receberá lançamentos a débito, veja no quadro abaixo, um exemplo da criação da conta:

4. – Receitas

4.01 – Receitas Operacionais

4.01.01 – Receitas de Membros

4.01.01.01 – Dízimos

4.01.01.02 – Ofertas

4.01.01.03 – Oferta Missionária

4.01.01.04 – Ofertas da EBD

4.01.01.99 – (-) Transferências para Sede

Ao procedermos desta forma, que modestamente entendemos ser a correta, não muda a forma como sede ou as filiadas contabilizam suas receitas, o que vai mudar é a forma como as filiadas contabilizam o pagamento da transferência para a sede, veja no quadro abaixo:

Nas igrejas filiadas, a CORRETA contabilização da transferência seria:

D – (-) Transferências para a Sede

C – Caixa Movimento ou Bancos

Valor: R$ 45.000,00

Assim procedendo, o balancete de verificação apresentaria a seguinte situação:

Contas Ativas

Contas Contábeis Saldo Inicial Débito Crédito Saldo Final
Caixa

0,00

545.000,00

45.000,00

500.000,00

Total

0,00

545.000,00

45.000,00

500.000,00

Contas Passivas

Contas Contábeis Saldo Inicial Débito Crédito Saldo Final
Dízimos

0,00

0,00

430.000,00

430.000,00

Ofertas

0,00

0,00

70.000,00

70.000,00

Repasse das Congregações

0,00

0,00

45.000,00

45.000,00

(-) Transferências para Sede

0,00

45.000,00

0,00

-45.000,00

Total

0,00

45.000,00

545.000,00

500.000,00

Em síntese, o que ocorre é que deduzimos dos dízimos e ofertas recebidos da membresia o valor que cada filiada envia a Sede, procedendo desta forma vamos apurar o valor exato da receita para o conjunto de igrejas evitando que haja duplicidade de parte delas.

A técnica de usar uma conta redutora das receitas se apresenta como a mais correta nestes casos em que existem receitas intra empresa, visto que embora seja uma receita da pessoa jurídica que recebe não é uma despesa daquela que envia, é na verdade um ajuste nas suas contas de receitas, visto que parte dessas serão passadas adiante, ou seja é uma arrecadação indireta para o outro ente envolvido.

Diante da explanação que fizemos, e apenas para efeito demonstrativo, veja no quadro abaixo como ficaria o Balancete Financeiro Consolidado do nosso exemplo:

Conta Descrição Valor do Mês: Valor do Ano:
 

Saldo Disponível em: 31/12/2012

 

0,00

4.01.01 RECEITAS DE MEMBROS  

 

4.01.01.01 DÍZIMOS

430.000,00

430.000,00

4.01.01.02 OFERTAS

70.000,00

70.000,00

4.01.01.09 REPASSE DAS CONGREGAÇÕES

45.000,00

45.000,00

4.01.01.99 (-)TRANSFERÊNCIAS PARA SEDE

-45.000,00

-45.000,00

Sub-Total

500.000,00

500.000,00

Total da Receita:

500.000,00

500.000,00

Saldo do Mês Anterior: Caixa/Bancos/Aplicações:

0,00

Soma: Receitas + Saldo Anterior:

500.000,00

500.000,00

Total da Despesa:

0,00

0,00

Saldo do Caixa:

500.000,00

Saldo do Banco:

0,00

Saldo em Aplicações:

0,00

Saldo Caixa/Banco/Aplicações:

500.000,00

500.000,00

Soma: Despesas + Saldo Atual:

500.000,00

500.000,00

Conclusão

Diante de toda nossa explanação, podemos notar sem sombra de dúvidas que a segunda forma de fazer a contabilização do repasse das congregações ás filiadas se apresenta como a maneira mais correta, com poucas mudanças.

Na verdade somente a forma de contabilizar o envio dos repasses mudou, obtemos um resultado mais condizente com a realidade, evitando a duplicidade de receitas e futuros problemas para os gestores.

Deixe um comentário

Click to access the login or register cheese